Não é de hoje nem de ontem que ser policial no Brasil implica em abrir mão de gozar de direitos sacramentados no artigo 5º de nossa Constituição Federal, como por exemplo o de segurança e da liberdade de locomoção, dentre tantos outros que não irei me delongar explicando, mas o fato é que, sua condição de militar e seu dever de policial o coloca num limbo jurídico que o faz exceção à regra enquanto cidadão e refém do Estado que o vê como soldado cujo dever de sacrifício à pátria é inerente à sua condição de militar, sem direito à protestos, sindicalização e greve.
O Policial é obrigado por dever de ofício a encarar a desgraça humana de frente. É o “lixeiro” que recolhe os dejetos produtos da desigualdade social e injustiças do Estado Brasileiro. Certamente não é pra qualquer um fazer parte de uma corporação que realiza este tipo de trabalho.
A avaliação psicológica é uma das etapas mais rigorosas para o ingresso na Polícia, e de fato tal etapa consegue eficientemente barrar o acesso à pessoas com desequilíbrios psicológicos de todo o tipo, mas fica a questão: Como controlar a saúde mental daqueles que inicialmente ingressaram na corporação aptos sob o aspecto psicológico, mas que no contato com o dia-a-dia policial adoeceram?
O policial enfrenta diuturnamente toda sorte de desgraças decorrente de sua missão em preservar a ordem pública. Cadáveres, vítimas de estupros, morte de crianças, hostilidades de bandidos e de cidadãos que veem seus direitos cerceados ante ordens judiciais que, mormente são executados por policiais, culminando na constante ameaça à sua vida e integridade física proferida pelo crime organizado são lugar comum no dia-a-dia do policial militar.
É alarmante a quantidade de policiais que anualmente cometem suicídio ou são acometidos de males psíquicos como síndrome do pânico, stress pós-traumático e depressão em decorrência de sua profissão, e fica outra questão: Em São Paulo existe algum programa que busque proporcionar a prevenção e o tratamento da saúde mental para seus policiais militares?
O fato é que na Polícia Militar do Estado de São Paulo existe sim atendimento psicológico e este trabalho é digno de nota. O CAS (Centro de Apoio Social) realiza um trabalho maravilhoso de atendimento psicológico aos policiais que se envolvem em ocorrências violentas bem como a todos os policiais que pedem ajuda a estes psicólogos. Os profissionais de psicologia que trabalham neste centro de apoio são policiais de carreira que atuam clinicamente junto ao público-alvo.
Entretanto, como em quase tudo na polícia, tais psicólogos só existem por conta da mobilização da própria polícia por meio de ações promovidas pelos comandantes no sentido de criar tal órgão. Não existe qualquer prerrogativa legal para o exercício dessa profissão dentro da PM. O psicólogo que lá atua é Sargento, Cabo ou Soldado que, em desvio de função, realiza tal tarefa à revelia do que os regulamentos estabelecem.
Por mais paradoxal que possa parecer, a Polícia Militar de São Paulo, uma das maiores e mais preparadas polícias do Brasil NÃO POSSUI QUADRO DE PSICÓLOGOS DE CARREIRA.
O Decreto-lei nº 13.654, de 6 de novembro de 1943 estabelece que oficiais de saúde são apenas médicos, dentistas e farmacêuticos, tendo ainda um quadro de veterinários e oficiais especialistas. Psicólogos não são contemplados pela norma paulista como profissionais especializados em saúde.
Tal situação poderia ser modificada por força de nova lei que pudesse revogar tal decreto, mas tal lei deveria ser proposta e aprovada pelo legislativo, com o endosso do poder executivo. O fato é que tal movimento não ocorre por um mistério indecifrável que, tal e qual o triângulo das bermudas só é passível de especulação.
Ao meu ver, para o Sr Governador do Estado e distintos Srs Deputados Estaduais do Estado de São Paulo, o apoio psicológico ao policial militar deve parecer mera "perfumaria", ou ainda talvez seja conveniente que o Estado se faça de “João sem braço” ao fazer vistas grossas ao louvável trabalho desempenhado pelos colegas do CAS pagando à estes profissionais de nível superior salários de sargento, cabo e soldado, poupando os cofres públicos e sonegando o rendimento pecuniário que deveria ser justo para estes heróis da psicologia.
Na PM de SP, o veterinário (com todo o respeito à nobre profissão) que cuida de cavalo e cachorro é profissional na carreira de oficial com ganhos correspondentes enquanto que a maioria dos psicólogos da PMESP são simples praças em desvio de função. Prefiro não entrar na seara da subordinação funcional do psicólogo policial ante o oficial médico, pois isso daria mais um artigo para este blog e outra polêmica da qual prefiro me abster.
O mais triste disso tudo é que os nobres colegas de carreira, mesmo sabendo disso, e mesmo não gostando da condição que se encontram pouco podem fazer para buscar a mudança desta condição. A Constituição Federal veda aos militares o direito à sindicalização e à greve, amordaçando estes profissionais da voz do direito ao reconhecimento profissional.
Se o Estado de São Paulo não valoriza a importância profissional do psicólogo na Polícia Militar de seu Estado, como podemos acreditar que existe uma genuína preocupação deste Estado com a saúde mental de seus profissionais?
Nesta atitude negligente do governo, podemos afirmar que não há interesse deste em preparar psicologicamente seu policial, fazendo com que ações violentas e precipitadas se tornem uma constante na atuação policial.
Enquanto isso não mudar, Romão Gomes ainda será a única (e cara) solução para a violência policial e vidas continuarão a se perder.