Longe de aumentar o acalorado debate envolvendo classe
laboral versus empresas no que concerne ao tratamento que empregadores conferem
a seus empregados, gostaria de apresentar este artigo como a visão de um
psicólogo que trabalhou e trabalha com segurança, acerca de um fenômeno que
toma corpo como saber jurídico em ações civis e trabalhistas em tribunais, e
que ocorre com infeliz frequência em empresas em todo o Brasil: o assédio
moral em empresas de segurança privada.
Silva (2005) define assédio moral como:
“a exposição dos
trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas
e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas
funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e
assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e
aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou
mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho
e a organização, forçando-o a desistir do emprego. (SILVA,
Jorge Luiz de Oliveira da. Assédio Moral no Ambiente de Trabalho. Rio de
Janeiro: Editora e Livraria Jurídica do Rio de Janeiro, 2005. p.28).
A definição apresentada pela ação “forçando a desistir”
descrita na definição, me faz lembrar o filme “tropa de elite”, em que o personagem principal, Capitão
Nascimento, no curso de formação de agentes do BOPE, utiliza frequentemente o
termo “pede para sair” para os alunos que ele e os demais policiais do batalhão
acreditavam não possuir perfil para envergar a caveira do curso de operações
especiais.
Fazer parte de uma unidade como o BOPE, o COE ou o PELOPES
exige preparo físico e psicológico ante as diversas adversidades que um
combatente dessas unidades de elite enfrenta em situações de confronto. Para as
ocorrências e missões que os “combatentes” destas unidades enfrentam,
resistência ao cansaço, à dor e ao sofrimento psicológico são requisitos
importantes para o sucesso, que, não raro implica em sobreviver à atentados e
ações hostis do crime organizado.
No âmbito da segurança privada, apesar da constante evolução
das relações homem e trabalho, do aumento das exigências de qualificação, tanto
para as funções operacionais quanto administrativas, ainda encontramos em
muitas empresas um ambiente característico de unidades militares em que ordens
e regulamentos são dogmas inquebráveis.
Longe de criticar o regime de trabalho implantado nos
quartéis, modelo de qualidade, disciplina e de valores tão caros e importantes (e
tão em falta em nossa sociedade) como o civismo e a honra, fica um
questionamento importante: qual o limite entre a hierarquia e a disciplina,
pilares fundamentais para a constituição de uma tropa adestrada e preparada
para o combate no front e o “cumpra-se” irrestrito e inquestionável que muitos líderes
de segurança impõem para o vigilante como se a prestação de serviços de
segurança privada para ter qualidade devesse seguir os moldes de uma unidade
militar?
É fato inconteste que muitos gestores que atuam no segmento
segurança privada vieram de unidades militares, graduados e oficiais da reserva
das forças armadas e auxiliares que, com a vasta experiência adquirida em
comando e liderança, gerenciamento de crises e outras atividades militares
importantíssimas para a segurança, colaboram sobremaneira para o
engrandecimento do ramo da segurança privada por conta do senso de organização,
ética inquebrantável e honra.
Porém muitos gestores ampliam este modelo para além do
aspecto positivo explanado e acreditam que gerenciar profissionais de segurança
implica em humilhar, ridicularizar ou oprimir, declarada e discretamente, aos
moldes do que é praxe em algumas unidades militares.
Como exemplo, cito como algumas escolas de formação e
reciclagem de vigilantes impõem aos alunos a prática de pagar flexões de braço,
agachamentos e outros castigos, a rigidez ante atrasos, o uso de termos
desrespeitosos por parte de instrutores, monitores e coordenadores contra
alunos não enquadrados na sistemática dessas escolas. Nestes cursos, é comum o
uso do termo “pede para sair” para demover o aluno do intento de terminar o
curso, sob a argumentação de que isso fortalece o espírito e prepara o futuro
vigilante para o “pior que virá, quando tiver que atuar na prática
profissional.
Este “regime” cria um contingente de pessoas com a
equivocada percepção de que oprimir e desrespeitar faz parte da rotina de
trabalho de um vigilante, sobretudo no que diz respeito ao tratamento conferido
aos colegas de trabalho e subordinados.
Muitos são os danos à saúde que o assédio moral inflige no
trabalhador: ansiedade, depressão, transtornos de ajustamento síndrome de
burnout e tantas outras doenças psicológicas resultam em sofrimento para o
trabalhador e sua família, resultam em mortes por suicídio em níveis alarmantes
e geram a médio e longo prazo para a previdência social, para o SUS e outros
órgãos de saúde pública um custo governamental que poderia ser plenamente
evitado.
Apesar do explanado até agora, é importante destacar que, gradualmente
o assédio moral em empresas de segurança vem se tornando exceção ante a regra
geral em que as relações empregador/empregado nas empresas de segurança são
pautados pelo respeito mútuo, ética e profissionalismo. A cada dia o gestor
militarista vem cedendo espaço para o líder que com a inteligência emocional
mobiliza seus homens para a missão de oferecer segurança para seus clientes com
foco na qualidade e respeito mútuo.
Também é sabido que o poder judiciário tem conhecimento
dessa prática e vem tomando medidas punitivas exemplares junto a empregadores de
segurança que praticam assédio moral.
Porém ainda não estamos diante de um quadro ideal. Falta
investimento da parte dos empregadores no sentido de oferecer treinamentos
atitudinais para que seus supervisores, inspetores e líderes mudem sua postura
junto a seus subordinados, falta legislação que normatize a obrigatoriedade de
qualificação técnica e permanente atualização curricular do quadro de gestores
de uma empresa de segurança, e falta também uma legislação que tipifique
assédio moral como prática antijurídica passível de severa punição quando
devidamente identificada.
Quem deve “pedir para sair” é o mau gestor que deve entender
que seu tempo de milico é passado, e deve parar de agir como um frustrado por
ter saído compulsoriamente de seu quartel (se é que um dia esteve em um).