terça-feira, 13 de agosto de 2013

Assédio Moral no trabalho: quando o “pede para sair” deixa de ser para os fracos






Longe de aumentar o acalorado debate envolvendo classe laboral versus empresas no que concerne ao tratamento que empregadores conferem a seus empregados, gostaria de apresentar este artigo como a visão de um psicólogo que trabalhou e trabalha com segurança, acerca de um fenômeno que toma corpo como saber jurídico em ações civis e trabalhistas em tribunais, e que ocorre com infeliz frequência em empresas em todo o Brasil: o assédio moral em empresas de segurança privada.

Silva (2005) define assédio moral como:
 “a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, forçando-o a desistir do emprego. (SILVA, Jorge Luiz de Oliveira da. Assédio Moral no Ambiente de Trabalho. Rio de Janeiro: Editora e Livraria Jurídica do Rio de Janeiro, 2005. p.28).

A definição apresentada pela ação “forçando a desistir” descrita na definição, me faz lembrar o filme “tropa de elite”, em que o personagem principal, Capitão Nascimento, no curso de formação de agentes do BOPE, utiliza frequentemente o termo “pede para sair” para os alunos que ele e os demais policiais do batalhão acreditavam não possuir perfil para envergar a caveira do curso de operações especiais.



Fazer parte de uma unidade como o BOPE, o COE ou o PELOPES exige preparo físico e psicológico ante as diversas adversidades que um combatente dessas unidades de elite enfrenta em situações de confronto. Para as ocorrências e missões que os “combatentes” destas unidades enfrentam, resistência ao cansaço, à dor e ao sofrimento psicológico são requisitos importantes para o sucesso, que, não raro implica em sobreviver à atentados e ações hostis do crime organizado.

No âmbito da segurança privada, apesar da constante evolução das relações homem e trabalho, do aumento das exigências de qualificação, tanto para as funções operacionais quanto administrativas, ainda encontramos em muitas empresas um ambiente característico de unidades militares em que ordens e regulamentos são dogmas inquebráveis.

Longe de criticar o regime de trabalho implantado nos quartéis, modelo de qualidade, disciplina e de valores tão caros e importantes (e tão em falta em nossa sociedade) como o civismo e a honra, fica um questionamento importante: qual o limite entre a hierarquia e a disciplina, pilares fundamentais para a constituição de uma tropa adestrada e preparada para o combate no front e o “cumpra-se” irrestrito e inquestionável que muitos líderes de segurança impõem para o vigilante como se a prestação de serviços de segurança privada para ter qualidade devesse seguir os moldes de uma unidade militar?

É fato inconteste que muitos gestores que atuam no segmento segurança privada vieram de unidades militares, graduados e oficiais da reserva das forças armadas e auxiliares que, com a vasta experiência adquirida em comando e liderança, gerenciamento de crises e outras atividades militares importantíssimas para a segurança, colaboram sobremaneira para o engrandecimento do ramo da segurança privada por conta do senso de organização, ética inquebrantável e honra.

Porém muitos gestores ampliam este modelo para além do aspecto positivo explanado e acreditam que gerenciar profissionais de segurança implica em humilhar, ridicularizar ou oprimir, declarada e discretamente, aos moldes do que é praxe em algumas unidades militares.

Como exemplo, cito como algumas escolas de formação e reciclagem de vigilantes impõem aos alunos a prática de pagar flexões de braço, agachamentos e outros castigos, a rigidez ante atrasos, o uso de termos desrespeitosos por parte de instrutores, monitores e coordenadores contra alunos não enquadrados na sistemática dessas escolas. Nestes cursos, é comum o uso do termo “pede para sair” para demover o aluno do intento de terminar o curso, sob a argumentação de que isso fortalece o espírito e prepara o futuro vigilante para o “pior que virá, quando tiver que atuar na prática profissional.



Este “regime” cria um contingente de pessoas com a equivocada percepção de que oprimir e desrespeitar faz parte da rotina de trabalho de um vigilante, sobretudo no que diz respeito ao tratamento conferido aos colegas de trabalho e subordinados.

Muitos são os danos à saúde que o assédio moral inflige no trabalhador: ansiedade, depressão, transtornos de ajustamento síndrome de burnout e tantas outras doenças psicológicas resultam em sofrimento para o trabalhador e sua família, resultam em mortes por suicídio em níveis alarmantes e geram a médio e longo prazo para a previdência social, para o SUS e outros órgãos de saúde pública um custo governamental que poderia ser plenamente evitado.



Apesar do explanado até agora, é importante destacar que, gradualmente o assédio moral em empresas de segurança vem se tornando exceção ante a regra geral em que as relações empregador/empregado nas empresas de segurança são pautados pelo respeito mútuo, ética e profissionalismo. A cada dia o gestor militarista vem cedendo espaço para o líder que com a inteligência emocional mobiliza seus homens para a missão de oferecer segurança para seus clientes com foco na qualidade e respeito mútuo.

Também é sabido que o poder judiciário tem conhecimento dessa prática e vem tomando medidas punitivas exemplares junto a empregadores de segurança que praticam assédio moral.



Porém ainda não estamos diante de um quadro ideal. Falta investimento da parte dos empregadores no sentido de oferecer treinamentos atitudinais para que seus supervisores, inspetores e líderes mudem sua postura junto a seus subordinados, falta legislação que normatize a obrigatoriedade de qualificação técnica e permanente atualização curricular do quadro de gestores de uma empresa de segurança, e falta também uma legislação que tipifique assédio moral como prática antijurídica passível de severa punição quando devidamente identificada.


Quem deve “pedir para sair” é o mau gestor que deve entender que seu tempo de milico é passado, e deve parar de agir como um frustrado por ter saído compulsoriamente de seu quartel (se é que um dia esteve em um).