Em vigor desde novembro
de 2013, a Instrução Normativa 70/13 do Departamento de Polícia Federal (IN
70/12) buscou normatizar o trabalho de avaliação psicológica para as empresas
de segurança e para os centros de formação e reciclagem em segurança privada .
Requisito previsto no art. 16, inciso V da lei 7102/83, que dispõe sobre as
atividades de segurança privada no Brasil, a avaliação psicológica é condição
indispensável para o ingresso e a continuidade da atividade de vigilante por
conta do uso da arma de fogo, item este inerente à atividade de vigilante e
sujeito ao controle do Departamento de Polícia Federal por força da lei
10826/03 (estatuto do desarmamento) em seu art. 6°, inciso VIII.
No parágrafo 2° do artigo
15 da portaria DPF 3233/12, que dispõe sobre as normas relacionadas às
atividades de segurança privada, está estabelecido que “o exame psicológico
será aplicado por profissionais previamente cadastrados no DPF, conforme
normatização específica.” Tal normatização tomou forma na IN 70/12, que
estabeleceu, dentre tantos itens, que o psicólogo deve ser credenciado pelo
SINARM para a realização deste trabalho.
Um fator que gerou enorme
polêmica no que foi estabelecido pela IN 70/12 foi a bateria de testes que deveria
ser realizada para a obtenção do laudo de aptidão psicológica, bem como a
obrigatoriedade da realização dos testes num local previamente credenciado pelo
SINARM, que estabeleceu critérios quanto à iluminação, ruídos e adequações
sanitárias. A quantidade de testes e a complexidade de algumas técnicas de
avaliação propostas acabaram por tornar o trabalho de avaliação mais minucioso,
demorado e (para preocupação dos empresários do ramo da segurança) custoso.
A via jurídica foi a
solução encontrada pelo empresariado de segurança no Estado de São Paulo para revogar,
ou mesmo protelar a determinação do Departamento de Polícia Federal para se
realizar o trabalho de avaliação psicológica, muitas entidades patronais do
segmento pleitearam na justiça federal um parecer que pudesse anular o
estabelecido na instrução, com argumentos que versavam sobre a pouca quantidade
de psicólogos credenciados e a falta de critérios para definir o perfil
psicológico do vigilante.
A ABREVIS (Associação
Brasileira das Empresas de Vigilância) obteve a concessão de uma liminar junto
ao Tribunal Regional Federal da 3ª região, determinando a suspensão da IN 70/12
em 17/12/2013, que na prática estabeleceu que os efeitos que determinavam uma
avaliação mais rigorosa seriam anulados por conta da necessidade da continuidade
do trabalho das empresas de segurança.
Transcrevo parte do
entendimento do Sr. MM Juiz Federal Dr. Victório Giuzio Neto, que assina a
conclusão do referido mandado de segurança:
“Ademais devem ser sopesados dois valores: o primeiro das consequências
do fechamento destas empresas e o segundo de que, mesmo sem o teste psicológico,
e, portanto, da avaliação dos profissionais, uma segurança MESMO QUE DEFICIENTE vem sendo realizada.” (negrito meu)
Não se discute a validade
da norma estabelecida pelo DPF (que pecou por não ter sido claro na IN quanto
ao perfil psicológico desejado do vigilante), nem o entendimento do juiz
federal que concedeu a liminar para a associação patronal. A questão da
continuidade do trabalho de segurança privada num Estado como São Paulo é
indiscutível.
Proponho somente uma
reflexão sobre dois fatores que ficaram em jogo em decorrência deste conflito
de interesses: A vida humana versus o interesse mercadológico.
Está bem claro o fato de
que muitos (e felizmente nem todos) que contratam segurança, oferecem serviços
de vigilância, formam ou reciclam vigilantes estão mais preocupados com os
custos e com a diminuição de sua margem de lucro do que com a necessidade de
critérios sérios de avaliação psicológica dos homens da segurança. Desconsideraram
o entendimento do Conselho Federal de Psicologia e Do Departamento de Polícia
Federal acerca do tema, e ganharam na
justiça o direito de continuar precarizando o trabalho de avaliação psicológica
e oferecendo um serviço DEFICIENTE (palavras do Sr. MM. Juiz) de segurança
privada.
Vejam aqui o preço da DEFICIÊNCIA:
Com o mercado saturado de
psicólogos que se sujeitam a ganhar menos do que merecem, mas que precisam
pagar suas contas e manter suas famílias, com a desunião da classe psicológica,
com a falta de representações de classe com força para impor condições dignas
de trabalho e com um Conselho Regional e Federal de Psicologia alheio à
realidade profissional da classe, mais preocupado com o “social/antropológico/filosófico”
e menos preocupado com a práxis do trabalho psicológico no dia a dia, os
empresários da segurança se valem da chamada “livre concorrência” para buscar
psicólogos mais e mais baratos. Mais e mais PROSTITUÍDOS.
Considerando que um
psicólogo confere a um indivíduo o direito de portar uma arma de fogo por força
de sua capacidade psicológica, permitir que um indivíduo pouco (ou mal)
avaliado porte uma arma de fogo é muito arriscado.
Quantas mortes podem ter ocorrido
por conta dessa negligência? Quantos suicídios de vigilantes? Quantas ações
precipitadas? Sinistros...
Estatísticas não
contemplam todos os fatos, mas qualquer vigilante vai afirmar empiricamente que
já trabalhou com colegas “treze” (gíria utilizada por estes para definir pessoa
com desequilíbrio psicológico).
Com base em tudo que foi explanado, só posso dizer uma coisa: “PARABÉNS” aos associados da ABREVIS pela obtenção de sua liminar. Conseguiram reduzir seus já elevados custos e protelaram por mais tempo algo que inexoravelmente irá ocorrer: o estabelecimento de uma norma que regulamente os procedimentos de avaliação psicológica de vigilantes.
Porém, tais consequências dessa liminar ainda serão sentidas por muita gente:
Você, cliente, continua perdendo porque paga caro por segurança armada e pode correr sério risco de ser vítima de seu próprio contratado, uma mão de obra DEFICIENTE conforme entendimento de um juiz federal.
Você, psicólogo, continua perdendo porque tem o seu trabalho cada vez mais desvalorizado e banalizado por colegas prostituídos pelo mercado que cobram valores ridiculamente baixos por uma avaliação de qualidade duvidosa.
Você empresário da segurança comprometido com o trabalho de vigilância com qualidade, continua perdendo porque cada dia que passa, vê o mercado saturado de desequilibrados com curso de vigilante e paga bem caro civil e criminalmente quando seu empregado comete um crime em decorrência de problemas psicológicos que poderiam ter sido evitados lá atrás, numa avaliação psicológica eficaz. Perde também pelo fato de que se vê forçado a proceder com a precariedade para não perder o mercado frente a concorrência desleal de empresários vigaristas que vêem no subemprego de psicólogos uma deixa para aumentar suas margens de lucros.
E você, vigilante, continua perdendo a pouca credibilidade profissional que possui, sendo agora caracterizado como uma mão de
obra DEFICIENTE, porém necessária. Muitos de seus patrões e clientes (não todos) desejam que você
continue assim, pois não querem tirar do bolso uma avaliação de qualidade que
separe o joio do trigo nesta tão complexa, importante e pouco reconhecida
atividade. Você continuará a ser nivelado por baixo por conta de
desequilibrados que ostentam o mesmo uniforme que você.